domingo, 4 de setembro de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO. AGUINALDO CARLOS: PORTA DA FELICIDADE - Por Jota Alcides

Quando o genial poeta português Fernando Pessoa disse que " é preciso ser realista para descobrir a verdade, mas é preciso ser romântico para criá-la" estava vinculando essa verdade a outra do seu pensamento que se tornou universal: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena." Durante 20 anos, ele foi vereador em Juazeiro Norte, inclusive presidente da Câmara Municipal, trabalhando fervorosamente pelo desenvolvimento da cidade. Foi, também, duas vezes, Secretário municipal de Cultura, nas gestões dos prefeitos Calos Cruz e Manoel Santana. Foi ainda bancário do Banco da Bahia inaugurado no Juazeiro em 1965. Apesar dessa notável carreira política, do êxito bancário e da formação superior em Direito, sua verdadeira realização sempre foi no rádio. Atualmente apresentador de telejornal na TV Verde Vale do Juazeiro, Aguinaldo Carlos começou na Rádio Iracema do Juazeiro, em 1962, como locutor comercial, convidado pelo diretor Coelho Alves, de quem era vizinho na rua Santa Rosa. De família simples, mas educada e honrada, orientada por civismo e dignidade, foi sempre um batalhador e confiante no futuro. Seu primeiro contato com o rádio ocorreu em Diamantina|(MG), onde morou por causa da mobilidade profissional do pai, José Carlos de Souza, que era instrutor do Tiro de Guerra e ficava mudando de cidade atendendo ordens da organização militar. Lá, ainda criança gostava, de ouvir os programas de rádio-teatro da Rádio Nacional do Rio, então líder de audiência no Brasil. Quando ingressou na Rádio Iracema, ele não sabia mas estava entrando na Porta da Felicidade. Estava para começar, em 1965, no Brasil um movimento cultural, com o nome Jovem Guarda, liderado pelo cantor Roberto Carlos, ditando música, linguagem, moda e comportamento da juventude brasileira, numa clima de contagiante descontração, alegria e romantismo. Sua principal influência era o rock and roll do final da década de 1950 Embora não tivesse qualquer objetivo político ou ideológico, seus idealizadores inspiraram-se no revolucionário russo Vladimir Lenin, que havia dito "o futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada". Foi assim que Roberto Carlos virou o Rei do Iê-Iê-Iê, numa alusão à expressão yeah-yeah-yeah presente em sucessos dos Beatles, Erasmo Carlos, o Tremendão, e Wanderléa, a Ternurinha...Ao mesmo tempo, Juazeiro ia entrar na época de ouro do rádio no Cariri, anos finais da década de 1960. Na Rádio Iracema, Aguinaldo Carlos fez sucesso com o programa Parada da Jovem-Guarda, todas as manhãs. Com seu espírito bem humorado, brilhou como índio Guará, representando o time do Guarani no programa de radio-teatro esportivo "Em Defesa da Bandeira", conduzido pelo narrador Luiz Carlos de Lima. Seus colegas, nesse programa, eram o comentarista José Boaventura, como Louro Fabril, representando o time do Icasa, Lucier Menezes, como Zé Carijó, representando o Treze Atlético Juazeirense, e mais Cícero Antonio., uma espécie de coringa. O programa era gravado nas sextas à noite e levado ao ar aos domingos esquentando a torcida antes das jornadas esportivas, com grande audiência em todo o Cariri. Era um programa satírico que malhava as decisões inadequadas ou equivocadas de dirigentes e jogadores dos clubes da cidade, Mas, certa noite de gravação, aconteceu o surpreendente, inusitado e extraordinário: De repente, apareceu um elemento estranho na emissora, em noite de chuva, vestindo enorme capa preta e de óculos escuros, parecendo um detetive americano. Pela ausência de segurança na portaria da radio, entrou fácil. De imediato, o grupo pensou que fosse algum torcedor fanático querendo fazer alguma retaliação às críticas do programa aos clubes. Mas, quando viu aquela marmota e percebeu que o estranho, com a capa preta aberta de baixo para cima até a cintura, mostrando-se completamente sem roupa, Aguinaldo Carlos, com seu espírito brincalhão, numa referência aos guerrilheiros que então infernizavam Montevidéu, no Uruguai, gritou: "Olhe um tupamaro aí, gente!". Gargalhada geral. Era apenas um bêbado desnorteado e inofensivo, perdido na noite. Foi retirado com delicadeza, mas a risadagem continuou e a gravação do programa só terminou pelas 3 horas da manhã. Em 1967, Aguinaldo Carlos mudou de prefixo indo para a nova emissora do Juazeiro, a Rádio Progresso. Era disck-joquei, apresentador de jornal, animador de auditório e participante de radio-teatro. Mas fez sucesso mesmo com o programa "Vamos aplaudir a jovem-Guarda" que apresentou aos domingos juntamente com Joao Sobreira. Era uma "Festa de Arromba". Era um fenômeno avassalador. Os grandes astros da época e seus sucessos, The Beatles, Roberto Carlos, Erasmo Carlos , Eduardo Araújo, Sylvinha Araújo, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Martinha, Vanusa, Rossini Pinto, Leno e Lílian, Evinha (Trio Esperança), Deny e Dino, Paulo Sérgio, Dick Danello, Reginaldo Rossi, Sérgio Reis, Antônio Marcos, Kátia, Cilene, Waldirene, Ed Wilson, Ronnie VON, Jorge Ben Jor, Tim Maia, Aguinaldo Timóteo, Renato e seus Bluecaps, The Fevers, Golden Boys, ,Os Incríveis, Os Vips, Os Jovens, The Pops e outros levavam as garotas ao delírio. Com elas, um cheirinho gostoso de chiclete de morango no ar. Entre as mocinhas fãs do programa estava a bonita Fátima Barbosa, filha do diretor da emissora, Menezes Barbosa. Aguinaldo já a conhecia porque sua mãe, dona Seví, era a costureira dos vestidos  dela. Olhando aqueles vestidos...e vislumbrando a belezura dentro deles, deu-se um alumbramento .E rolou uma paixão, que o destino, por preocupações de Menezes Barbosa com o futuro, quis anular, mas o próprio destino se encarregou de sacramentar. Bateu a lição de Sêneca, o filósofo grego, "o destino conduz o que consente e arrasta o que resiste". Destino é destino, o amor chegou como um furacão que não pede licença para entrar. O destino decide quem vamos encontrar em nossa vida, mas o coração escolhe com quem vamos ficar. Aguinaldo casou-se com Fátima e construiu com ela, uma bela família, para tranquilidade e alegria de Menezes Barbosa. Bateu a lição de Herman Hesse: "A alegria e o sofrimento são inseparáveis como compassos diferentes da mesma música".No Juazeiro do Meu Tempo, alem desse envolvimento direto com rádio, Aguinaldo Carlos foi vocalista do conjunto musical "Jovem Guarda", formado em Juazeiro do Norte em 1966, o primeiro do gênero no Cariri e que teve uma existência de 10 anos ganhando fama até nos Estados vizinhos ao Ceará. É tão forte a presença da Jovem Guarda em Aguinaldo Carlos que ele detém o maior acervo pessoal do gênero no Cariri: mais de três mil discos em vinil e mais de 500 CDs, onde estão preservados os maiores sucessos do Iê-Iê-Iê.. Por sua paixão musical, ficou famoso no Juazeiro como "o cara da Jovem Guarda". Mas, conservador, ficou conhecido também pelo seu animal de estimação: uma Belina marrom velha,de 1900 e tanto, "completa de sem": sem ignição, sem vidros elétricos, sem buzina, sem ar condicionado, sem uma das marchas e sem freio. Durante algum tempo, cabia ao passageiro corajoso que lhe acompanhasse uma foto do Padre Cícero como garantia de proteção. Por que tanta estimação? Ele sempre desconversou: "Roberto Carlos tem o calhambeque dele e eu tenho o meu. Esse é meu carango velho de guerra!". Por isso tudo, a música da Jovem-Guarda vive lhe emprestando saudade quando toca "A Volta", dos Vips, trilha sonora da memorável tempestade romântica de sua vida: "Estou guardando o que há de bom em mim, para lhe dar quando você chegar, toda ternura e todo meu amor, estou guardando pra lhe dar... Grande demais foi sempre o nosso amor mas o destino quis nos se...parar e agora que está perto o dia de você chegar o que há de bom vou lhe entregar". Romântico assumido, criativo, talentoso, volutarioso, honesto, correto e bom caráter, sempre pautou sua vida em família, no trabalho e na comunidade por grandeza de alma. Sendo assim desde sempre, ainda muito jovem, aos 14 anos, Aguinaldo foi contemplado pelo Mestre Coelho Alves que lhe abriu a Porta da Felicidade profissional e pessoal para o fascinante mundo do rádio e para o mundo espetaculoso da Jovem Guarda. Anos dourados, belas músicas, belos dias, belas tardes jovens de domingo, dias alegres, noites encantadoras, fantasias, sonhos, ilusões. Mas, agora, "o que foi felicidade é só saudade" dos embalos inesquecíveis que não voltam mais. Ainda bem que eles podem ser revividos com audições da Saudade Jovem que não passa nunca. Nem vai passar pois o teólogo, filósofo e escritor Roque Schneider já decretou: "o amor é a melhor música na partitura da vida". Aguenta coração! !

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "Padre Cícero segundo Mestre Athayde " e "Padre Cícero - O poder de comunicação".

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