sábado, 6 de agosto de 2016

JUAZEIRO DO MEU TEMPO - Bola ao centro - Por Jota Alcides

"Chuá.Goooooooooooooo!". Era assim que o vibrante locutor esportivo Luis Carlos de Lima, da Rádio Iracema do Juazeiro, gritava o lance de gol espalhando emoção desde o velho estádio da LDJ-Liga Desportiva Juazeirense para todo o Vale do Cariri. Ao final da década de 1960, tempo do "Scratch do Rádio", muitos narradores esportivos no Brasil eram famosos por seus bordões: Waldir Amaral, Radio Globo: "tem peixe na rede"; Jorge Curi: Rádio Nacional: "passa de passagem"; Oswaldo Moreira, Rádio Tupi "respeitável público"; Fiori Giglioti, Rádio Bandeirantes: "abrem-se as cortinas e começa o espetáculo"; Geraldo José de Almeida, Rádio Record, "Dez é a camisa dele"; Willy Gonser, Rádio Nacional, "tem bola no barbante"; Ivan Lima, Rádio Clube de Pernambuco, "Bola na Rrrrrrrrrrede" Dos famosos dessa época, apenas Doalcei Bueno de Camargo, Rádio Tupi, não tinha bordão. O de Luis Carlos era "Chuá", simples, curto, fácil, original, empolgante e com significado: gostoso, fabuloso, delicioso, maravilhoso, representando o barulho da bola tocando na rede. Ao lado do chefe da Equipe 970 e seu comentarista titular, o catedrático José Boaventura, formava uma dupla imbatível em audiência e prestigio em todo o interior do Ceará. Antes, a equipe da Rádio Iracema já tinha tido dois excelentes comentaristas; Luiz Marques e Neston Gondim, e o narrrador Dário Maia Coimbra. Luiz Carlos começou como narrador esportivo na Rádio Iracema em 1962, convidado por José Boaventura. Os dois se tornaram amigos fraternos e passaram a desenvolver, cada vez mais, um trabalho conjunto competente e eficiente que virou uma marca da Rádio Iracema, consagrada como a emissora da melhor equipe esportiva do interior do Ceará. Nessa condição, Luiz Carlos e Boaventura fizeram transmissões de jogos no Maracanã e no Morumbi, cumprindo o chamado "verdadeiro esforço de reportagem". O prestígio deles ultrapassou as fronteiras do Cariri e do Ceará. Em 1965, Luiz Carlos foi o locutor convidado para fazer a primeira transmissão esportiva da Rádio Difusora de Cajazeiras, na Paraíba. Além de Luiz Carlos e Boaventura, faziam parte da Equipe 970: Francisco Silva (Foguinho), Vilmar Lima, Cícero Antonio, Carlos Alencar, Lucier Menezes, Paulo Duate. "Futebol de Primeira é na Pioneira", afirmavam orgulhosamente repetindo o slogan esportivo da primeira emissora do Juazeiro, inaugurada em novembro de 1951. De vez em quando, eles recebiam a visita de colegas de outros Estados. Quando isso ocorria, cediam para os colegas a modesta cabine de madeirite da emissora na LDJ, que mais parecia um poleiro de galinhas, e iam fazer a transmissão em cima do muro do estádio. Que precariedade! Foi o que aconteceu em 1968 quando o Santa Cruz do Recife jogou no Juazeiro. Na companhia do time dois monstros sagrados da radiofonia esportiva de Pernambuco: Gomes Neto, chefe de esportes do Rádio Jornal do Commércio, então a emissora mais potente do Brasil, e Ivan Lima, do Rádio Clube de Pernambuco, propagado como o locutor esportivo nº 1 do Norte e Nordeste do Brasil. Foram recebidos e tratados com cordialidade, cortesia e natural tietagem. Ficávamos lempolgados com ilustres presenças, mas morrendo de vergonha do estádio da LDJ. Tentávamos compensar a pobreza com gentileza. Chegado no sábado, véspera do jogo, Ivan Lima foi visitar a Rádio Iracema. Encontrou no estúdio Aguinaldo Carlos aguardando a "Hora do Ângelus" e já foi abrindo o verbo com seu vozeirão e ao seu estilo: "Vamos gravar a Ave Maria com a voz mais bonita do Brasil". Sorriu e completou diante de Aguinaldo surpreso com a inesperada celebridade: "Mas também é a voz mais cara do Norte e Nordeste". (Gargalhada). Era Ivan Lima mesmo, sem a mínima modéstia, pois, afinal, era aplaudido como o melhor locutor do Brasil. Conheci-o no início da década de 1970 no Rádio Clube PRA-8 onde fomos companheiros. Mais tarde, em 1977, quando eu era Diretor de Redação do Jornal do Commércio e ele diretor do Rádio Jornal do Commércio, entrou de repente na minha sala mostrando a arte de um anúncio do tamanho de uma página de jornal. O anúncio trazia uma foto enorme do rosto dele diante de possante microfone narrando um jogo. Na parte de baixo, escrito bem vistoso: Ivan Lima - O mais premiado locutor esportivo do Brasil. - Ouça o Escrete de Ouro - Rádio Jornal do Commércio. "Olha Jota, que coisa mais linda. Como eu sou bonito! (Risos). Por favor, publica essa página para mim no Jornal do Commércio. Pode ter certeza que vai ajudar a vender muito jornal". (Risos). Grandalhão, biofísico típico do baiano, era um cara de bem com a vida e com a autoestima nas alturas, pois festejadíssimo pelo povo de Pernambuco. No Juazeiro, Luiz Carlos não tinha o vozeirão de Ivan Lima, nem ganhava o que Ivan Lima ganhava, mas tinha a mesma empolgação de Ivan Lima. Narração de Luis Carlos tinha vibração, precisão, velocidade, espirituosidade e emoção. Com sua experiência, adotou uma técnica de comunicação apurada, usando de forma adequada o tom, o timbre e o ritmo de sua voz para melhor interpretar o que via acontecendo em campo e melhor se expressar para compreensão do público ouvinte. Dono de boa dicção, articulando bem as palavras, sem comer letras ou sílabas. aplicado e estudioso de sua atividade, ele respeitava o que os ouvintes sabiam e não podiam ser enganados: um comercial ao vivo é diferente de um programa romântico, um programa romântico é diferente de uma narração de futebol. E a própria narração de futebol pode ter pausas de respiração que determinam momentos de ritmo mais lento, como num lance de jogador contundido, ou mais rápido, como num lance de ataque fulminante de gol iminente. Para os ouvintes, um bom locutor esportivo precisa estar atentíssimo, ser sagaz e perspicaz para entender e interpretar manhas, artimanhas e peripécias que um jogador pode improvisar dentro de campo, como um dia fez o genial Mané Garrincha ao deixar todo mundo em dúvida antes de marcar o gol: '"O goleiro deles não queria abrir as pernas. Fiquei esperando". Foi assim, com diligência e inteligência que Luis Carlos chegou ao sucesso. Ao final da década de 1960, a Rádio Iracema tinha uma liderança consolidada nos esportes. Mesmo com uma equipe formidável - Wellington Amorim, Wilton Bezerra, Jussier Cunha, João Eudes, Madeilton Alexandre - a Rádio Progresso, que chegou liderando em jornalismo e música, precisou lutar muito e lutou persistentemente até conseguir uma fatia importante da audiência esportiva. Além de ser seu vizinho de residência, na Rua Santa Luzia, bairro de São Miguel, eu pessoalmente era admirador do Luiz Carlos porque ele possuia conhecimento profundo das regras, terminologia e história do futebol,fazia o torcedor ver o jogo sem estar no estádio, descrevendo todos os lances por completo. Situava o torcedor dentro de campo. Nos dias atuais, alguns locutores não fazem narrração, fazem enrolação - cruzou o zagueiro, cortou o zagueiro, bateu o atacante, caiu o meiocampista. Como diz Edemar Annuseck, jornalista, narrador esportivo que foi da Jovem Pan, Record, Tupi e Globo, "Hoje os tempos são outros, as narrações são outras, a qualidade é outra. Enfim, cada um faça como melhor lhe aprouver porque narrar futebol em rádio não é isso que a maioria faz nos dias de hoje". Luiz Carlos dava os nomes dos atletas. Fazia questão da precisão. Formado em Biologia pela Urca e pós-graduado em Planejamento Escolar, Luiz Carlos um dia reunido com um grupo de colegas, com a presença do meu amigo Wellington Amorim, que me contou depois, em avaliação sobre meu desempenho de estreante no jornalismo, resumiu: "Jota Alcides é um avancista". Certamente por isso, Luiz Carlos tomou a iniciativa de me brindar em outubro de 1968 com um Certificado de Honra ao Mérito assinado por jornalistas do rádio juazeirense por eu ter organizado e realizado no Juazeiro o 1º Simpósio da Imprensa Caririense: "Nós, abaixo assinados, membros do radialismo juazeirense, reconhecendo o profícuo trabalho do companheiro Jota Alcides, quando da realização do 1º Simpósio da Imprensa Caririense, conferimo-lhe esta medalha como prova do nosso reconhecimento". Assinados: Luiz Carlos de Lima, José Carlos Pimentel, Wellington Amorim, Lucier Menezes, João Barbosa e Robledo Pontes. Menezes Barbosa também assinou escrevendo: "Aprovo com justiça. O Jota Alcides merece a Honra ao Mérito e que fique este documento arquivado nos anais da Rádio Progresso e que se dê divulgação pela imprensa falada e escrita". Ao final da década de 1960, a atividade de locutor ainda não era regulamentada, o que só veio a ocorrer ao final da década de 1970.É impressionante quando a gente olha para trás e percebe a diferença do futebol do Juazeiro no tempo. Nos anos dourados da década de 1960, Icasa e Guarani, mesmo amadores e anda sem o Romeirão, eram muito melhores e mais competitivos do que esses dois timinhos que só deram vexame ao Juazeiro na Série D do Brasileirão. Que o diga Luiz Carlos, que ficou na Rádio Iracema até 1980, tendo passagem pela Radio Progresso de 1970 a 1972, quando voltou para a Rádio Iracema. Passou também pela Rádio Vale do Cariri AM com sua equipe esportiva. Surfou nas ondas do rádio juazeirense e deixou sua marca na história da radiofonia caririense: ninguérm esquece a abertura de suas jornadas esportivas na Rádio Iracema pela linda musica instrumental "Seventy-Six Trombones" com The Boston Pops Orchestra de John Williams. Quando essa música tocava, todo mundo no Juazeiro e no Cariri já sabia: vem aí o locutor do "Chuá" com a bola no centro do espetáculo ...Como era bom! " !

*Jota Alcides, jornalista e escritor, é autor de "Manchester do Cariri" e "Mestre da Bola no Ar"


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